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Nova Lei de Bases da Saúde ou a nova vida do SNS


É provavelmente um dos assuntos de maior importância para todos nós e que por isso deve ter o maior consenso possível na “casa da democracia” que é a Assembleia da República.

Vai estar em debate na AR esta quarta feira as propostas para a nova Lei de Bases da Saúde, uma do Governo, outras três do PCP, do PSD e do CDS-PP, havendo outra do BE que desceu à especialidade e não será discutida no plenário parlamentar. A ideia de uma nova Lei de Bases da Saúde para substituir a atual, que é de 1990, surgiu no final de 2017, com o livro do histórico socialista António Arnaut e do bloquista João Semedo. Na obra “Salvar o SNS”, António Arnaut e João Semedo, ambos falecidos em 2018, defendiam o regresso do Serviço Nacional de Saúde à sua matriz original, apostando nas carreiras médicas, sendo gratuito e com uma separação evidente entre público e privado. Pouco tempo depois da apresentação deste livro, o então ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, anunciava a criação de uma comissão para rever a Lei de Bases da Saúde, coordenada pela socialista e antiga ministra Maria de Belém Roseira. Em junho do ano passado, Maria de Belém apresentou aos jornalistas a “pré-proposta” para a nova Lei de Bases. A proposta chegou a ser apreciada em conselho de secretários de Estado, mas nunca chegou a ser apreciada em Conselho de Ministros. Entretanto, em outubro, a remodelação governamental atingiu a saúde e Adalberto Campos Fernandes foi substituído por Marta Temido, que, desde logo, indicou que a nova equipa ministerial pretendia “aperfeiçoar” o documento e incorporar a sua visão na proposta final do Governo. A meio de dezembro, o Governo aprovou em Conselho de Ministros a proposta de Lei de Bases, uma versão diferente daquela que o grupo coordenado por Maria de Belém apresentou. A coordenadora da então comissão de revisão chegou publicamente a lamentar que a ministra tenha considerado inadequado todo o trabalho “transparente e participado” que foi feito para apresentar uma proposta de diploma, criticando mesmo a que foi apresentada pelo Governo. Num debate promovido pelo próprio PS, Maria de Belém frisou que a ministra decidiu alterar a proposta apresentada, passando de 59 pontos contidos na proposta para apenas 28 pontos. “Podia ser absolutamente irrelevante, mas em direito e em política as coisas não são irrelevantes”, afirmou a antiga ministra socialista. Para Marta Temido, a proposta do Governo é “ideologicamente coerente com o que é defendido pelo PS”, honra o legado de António Arnaut e determina que o Estado tem um papel muito importante a favor da redução das desigualdades sociais”. Este é o documento que vai ser debatido no parlamento, a par de propostas do PCP, do PSD e do CDS, enquanto a proposta do Bloco de Esquerda, a primeira a ser apresentada, baixou diretamente à especialidade, não tendo sido votada na generalidade. O papel do Estado e dos privados ou a cobrança de taxas moderadoras são pontos centrais nas várias propostas que vão a debate e que põem em divergência a esquerda e a direita.

Vejamos então o que vai estar em discussão Quarta Feira

Proposta de Lei do Governo e projetos de lei dos partidos Princípios gerais A Lei de Bases de 1990, atualmente em vigor, teve uma vigência de 28 anos e o sistema de saúde português e os contextos nacional e internacional evoluíram consideravelmente. Dado que nos últimos anos se tem assistido a um "forte crescimento do setor privado" e quase sempre acompanhado por efeitos negativos para o SNS, o Governo entende que é necessário clarificar as relações entre setor público, privado e social. O BE, na exposição de motivos, não ignora que "o SNS tem limitações que tem de superar, que tem sofrido ataques dos quais é preciso recuperar e que tem inimigos dos quais deve ser protegido", motivo pelo qual precisa de uma nova Lei de Bases da Saúde que tenha "um maior enfoque na prevenção da doença e na promoção da saúde" e que garanta "a existência de recursos financeiros e outros para que o SNS seja efetivamente geral, universal e gratuito". "Pese embora o SNS ser um dos melhores serviços públicos, importa que sejam interrompidas as opções políticas que o têm vindo a enfraquecer e assegurar-lhe o rumo e dotá-lo dos recursos indispensáveis ao seu desenvolvimento", defende, por seu turno, o PCP, que avisa que o "fortalecimento do SNS geral, universal e gratuito é prosseguido pela alocação de verbas". O PSD, que reconhece que recorreu também ao trabalho recentemente produzido pela Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde, pretende que a gestão da saúde seja "primordialmente pública" e o recurso do SNS aos setores privado e social, para a realização de prestações públicas de saúde, se verifique "sempre que tal se revele necessário", devendo ser "vantajoso, em termos de relação qualidade-custos" e conduzir à obtenção de ganhos em saúde para os utentes. Já o CDS-PP, que também se baseia no trabalho da referida comissão, afirma que "é amplamente reconhecida a necessidade de atualização da lei", mas não se deixa iludir porque "não será uma nova Lei de Bases da Saúde que, só por si, resolverá os problemas", almejando "um SNS sustentável, humanizado e modernizado". Taxas moderadoras O Governo prevê a possibilidade de cobrança de taxas moderadoras como mecanismo de controlo da "procura desnecessária", dando a possibilidade de isenção "em função da condição de recursos, de doença ou de especial vulnerabilidade. A proposta indica que a lei pode estabelecer limites ao montante total de taxas moderadoras a cobrar. Neste aspeto, os partidos de esquerda afastam-se dos de direita, com o PCP a propor a abolição das taxas moderadoras, enquanto o BE prevê que sejam praticamente extintas, exceto nos casos de prestações de saúde não prescritas ou requisitadas por médicos ou outros profissionais. PSD e CDS-PP apresentam textos muito semelhantes em matéria de taxas moderadoras, justificando a existência das mesmas com "o objetivo de orientar a procura e moderar a procura desnecessária", determinando a "isenção de pagamento em situações de interesse de saúde pública, de maior risco de saúde ou de insuficiência económica". Setores privado e social Segundo a proposta de lei do Governo, os setores público, privado e social atuam sob um princípio de cooperação e "pautam-se por regras de transparência e de prevenção de conflitos de interesse ao nível dos seus profissionais".  A contratação de entidades do setor privado e social, tal como o recurso a entidades terceiras, "é condicionada à avaliação da necessidade", prevalecendo "a primazia dos serviços próprios do Estado na prestação de cuidados". Na proposta do Governo, elimina-se o apoio do Estado ao "desenvolvimento do setor privado da saúde (…) em concorrência com o setor público". O Governo quer ainda reforçar a autonomia de gestão das unidades do SNS e o investimento em investigação e inovação, prevendo planos de investimento plurianuais.  Já o BE é claro quando pede que a nova Lei de Bases garanta “que a saúde é um direito e não um negócio", o que passa por, na opinião dos bloquistas, "garantir a separação entre o público e o privado para acabar com a promiscuidade e com o rentismo que drena recursos públicos para alimentar o negócio dos privados na saúde". Na mesma linha de pensamento, para o PCP "o fortalecimento do SNS obriga à clara separação dos setores - público, privado e social - o que exige que aos setores privado e social seja atribuído um caráter supletivo ao SNS". A proposta dos sociais-democratas assume que "as entidades do setor privado com objetivos de saúde podem cooperar com o SNS na realização de prestações públicas de saúde", determinando que "as entidades do setor de economia social com objetivos específicos de saúde podem ser subsidiadas financeiramente e apoiadas tecnicamente pelo Estado e pelas autarquias locais". O CDS-PP vai mais longe e propõe que, para defender a sustentabilidade do pilar social em que assenta o direito dos cidadãos à saúde, se institua “um princípio concorrencial dentro dos serviços do SNS e entre os setores público, privado e social, para que se gerem melhores resultados e maior eficiência, devendo o Estado adquirir serviços de saúde, em igualdade de circunstâncias, aos prestadores públicos, privados e sociais". Profissionais de saúde Na nova Lei de Bases, elimina-se o apoio do Estado "à facilitação da mobilidade" de profissionais entre o setor público e o setor privado", evoluindo "progressivamente para a criação de "mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas". Neste aspeto, a proposta do CDS-PP aproxima-se da do Governo, ao sugerir que "a lei pode criar incentivos financeiros ou de outra natureza que promovam a dedicação exclusiva e a investigação em saúde e para a saúde". O PSD é o único partido que opta por uma posição diferente e mantém, na sua base sobre profissionais de saúde "facilitar a mobilidade entre o setor público e os setores de economia social e privado". O BE e o PCP querem ir mais longe do que o Governo e promover a dedicação exclusiva dos seus profissionais nos serviços de saúde. Utentes A proposta preconiza a participação as pessoas "na definição, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde e nas decisões que dizem respeito ao seu bem-estar, promovendo-se a literacia para a saúde". O documento prevê também novos modelos assistenciais, "salvaguardando que o modelo de prestação garantido pelo SNS está organizado e funciona de forma articulada e em rede". Por outro lado, alarga ainda o conceito de beneficiários do SNS a requerentes de proteção internacional, migrantes legais e ilegais, reclusos e crianças internadas em centros educativos. A saúde pública, mental e ocupacional passa a ter bases próprias e o documento passa a contemplar os cuidados paliativos e os cuidados continuados e tem ainda uma referência expressa ao cuidador informal. O BE também quer medidas especiais para as populações mais vulneráveis, tais como crianças, adolescentes, grávidas, idoso, deficientes, consumidores de drogas ilícitas e doentes crónicos, além de trabalhadores cuja profissão assim o justifique, imigrantes, cidadãos com baixos rendimentos e socialmente excluídos. Sobre beneficiários, o BE quer ainda alargar a sua definição, pretendendo que passem a ser também os "cidadãos estrangeiros que se encontrem em Portugal, designadamente, os legalmente residentes em Portugal, os imigrantes com ou sem a respetiva situação legalizada e os cidadãos apátridas, refugiados e exilados residentes em território nacional, nos termos definidos pela lei". O PCP defende programas especiais de proteção da saúde para grupos vulneráveis ou de risco e uma "eficiente cobertura nacional" dos cuidados primários, hospitalares, continuados e paliativos.  Na base sobre políticas de saúde, o PSD também propõe "a adoção de medidas especiais relativamente a grupos em situação de maior vulnerabilidade, designadamente mulheres grávidas, puérperas ou lactantes, crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, idosos, pessoas com doença crónica", propondo uma base só dedicada à saúde mental. Na mesma perspetiva, também o CDS-PP sugere a criação de uma base da saúde mental uma vez que "todos têm direito a gozar do melhor nível de bem-estar mental, enquanto base do seu desenvolvimento equilibrado durante a vida, importante para as relações interpessoais, vida familiar e integração social e profissional, e para plena participação comunitária e económica de cada um".

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