O castelo e as muralhas de Portel: um breve olhar.
- Francisco Gs Simões
- 16 de jan. de 2019
- 6 min de leitura
Miguel Gomes Martins
(Instituto de Estudos Medievais-FCSH e Gabinete de Estudos Olisiponenses-CML)

Personagem central na História de Portel e do seu castelo, D. João Peres de Aboim foi, desde cedo, uma figura muito próxima do rei D. Afonso III, junto de quem terá sido criado. Foi essa estreita relação que fez com que acompanhasse o infante durante a sua permanência em França (1234-1245/46), primeiro na corte de Luís IX e, depois, no condado de Bolonha. Regressaram ambos a Portugal para D. Afonso assumir o protagonismo da oposição armada ao seu irmão, o rei Sancho II. Não admira, pois, que D. João de Aboim tenha também participado nos principais episódios da Guerra Civil que levou ao
afastamento de Sancho II, que morreria meses depois, e à consequente aclamação de Afonso, o terceiro de seu nome, como o quinto rei de Portugal, em Janeiro de 1248. É justamente essa proximidade que levou o rei a elevá-lo à condição de seu conselheiro, mordomo da rainha, mordomo-mor e sub-alferes, tendo-o ainda nomeado tenente de Ponte de Lima (1259) e de Évora (1270-1279). E registe-se a curiosidade de o seu filho Pedro Anes de Portel ter comandado a tenência eborense entre 1263 e 1264, apesar de ter apenas 16 anos, algo a que não deve ter sido alheio o peso político de D. João nessa região.
E são também o seu prestígio e poder que explicam o facto de o concelho de Évora ter abdicado – a pedido do rei, mas segundo António Janeiro, com algumas reticências –, de uma vasta parcela do termo da cidade em benefício de D. João que, desde Junho de 1257, era vizinho desse concelho, uma prerrogativa conseguida, também, por intercessão do monarca. O território em causa, situado a sudeste de Évora – onde viria a ser também fundada a povoação de Vila Boim, igualmente dotada de um castelo hoje desaparecido – seria ampliado nos anos seguintes em detrimento dos concelhos vizinhos de Beja, Estremoz, Montemor-o-Novo e Monsaraz. A doação do concelho de Évora, datada de Novembro de 1258 – a que se seguiu, em 1259, a demarcação dos limites desses territórios –, seria confirmada pelo monarca em Outubro de 1261 e complementada, três dias depois, com a atribuição de carta de couto. A culminar este conjunto de benefícios, no dia 18 desse mesmo mês, o monarca, concedeu-lhe autorização para, nesse mesmo território, erguer um castelo.
O local escolhido para o efeito foi o do pequeno povoado muçulmano que as fontes identificam como Portel Mafomade. A construção, iniciada, ao que parece, pouco depois da carta de 18 de Outubro, terá sido, tudo o indica, relativamente rápida, pois a carta de foral atribuída à povoação de Portel por D. João Peres de Aboim, datada de Dezembro de 1262, era já dirigida aos “povoadores desse castelo”, sinal de que a obra estaria bastante adiantada, podendo eventualmente ter sido iniciada até antes de formalizada a autorização régia para o efeito.
Situada no topo da vertente oeste de um cabeço com cerca de 350m de altitude, a fortaleza – erguida em xisto e granito e, em algumas zonas, em alvenaria – apresentava uma planta heptagonal ligeiramente irregular e cujos ângulos se encontravam reforçados por sete ou oito cubelos, isto é, torreões de planta semi-circular, que segundo Mário Barroca foram erguidos no contexto das obras manuelinas. No entanto, é de admitir a possibilidade de terem vindo substituir os que aí existiam originalmente. A única estrutura de planta quadrada do castelo de Portel é sua a torre de menagem, originalmente com cerca de 25m de altura e situada junto da porta de acesso à vila e que, segundo parece, estaria protegida por uma barbacã. O castelo apresentava ainda uma outra porta para o exterior, a de Beja, que em finais do século XIV se encontrava também reforçada por uma barbacã defendida por um torreão de planta quadrangular. É ainda possível que tivesse existido originalmente uma terceira porta, virada para norte e entretanto entaipada, que fazia a ligação à estrada de Évora. No seu interior e em redor da praça de armas, existiriam diversas dependências entre as quais um arsenal que, apesar de documentado apenas em 1279 e 1293 tratava-se certamente de uma iniciativa de D. João Peres de Aboim.
E é importante sublinhar que o castelo de Portel obedecia já aos princípios de defesa activa que, surgidos em França por finais do século XII-inícios do XIII, e que por meados de Duzentos começam também a ser introduzidos nos castelos da Coroa, designadamente ao nível do posicionamento da torre de menagem – adossada à face exterior da muralha e não no centro da praça de armas –, da difusão das barbacãs e da multiplicação de torreões adossados aos muros. E importa não esquecer que, tal como Afonso III, também D. João Peres de Aboim teve contacto directo com estas novidades aquando da sua longa estada em França, pelo que não é descabido imaginar que o projecto de construção da fortaleza possa, de alguma forma, ser da sua autoria ou, pelo menos, ter tido a sua intervenção.
A partir do castelo e em direcção a oeste, desenvolvia-se a vila, cuja muralha terá começado a ser erguida na mesma altura, mas terminada apenas no reinado de D. Dinis. De planta aproximadamente rectangular, esta cerca era também rasgada por três portas para o exterior, uma a sul – que ligava à estrada que seguia para Moura – e as outras duas para oriente. Esta cintura de defesa encontrava-se protegida por diversas torres, todas elas, ao que parece, de base quadrangular e ainda por uma barbacã extensa e reforçada por diversos torreões, erguida em taipa e edificada, provavelmente já por determinação de D. Dinis, ou seja, depois de 1301. A igreja de Santa Maria, situada no estremo oposto ao castelo deve também datar desta altura, pois em 1289 estava já obrigada a contribuir financeiramente para a guarda da fortaleza.
As fontes voltam a fazer eco de obras nas estruturas de defesa de Portel em inícios de Quinhentos por iniciativa de D. Manuel, com vista a uma melhor adaptação ao armamento pirobalístico. Foi no âmbito dessas campanhas que a torre de menagem foi alteada em mais um piso – passando a ter no seu interior 3 pisos abobadados –, erguida uma nova barbacã em redor da vila e edificados os paços e a capela no interior do castelo de que apenas restam vestígios. A muralha do castelo poderá também ter sido alvo de algumas obras, mas não tão profundas como é comum afirmar-se, já que o seu traçado não parece ter sido objecto de alteração. O responsável por estas obras foi Francisco Arruda, conhecido, sobretudo, pelo projecto da Torre de Belém, em Lisboa.
À altura da morte de D. João de Aboim, ocorrida em Março de 1285, o senhorio de Portel passaria, não para o filho de D. João, Pedro Anes, mas para a filha, D. Maria de Aboim. Contudo, o rei – que não deve nunca ter perdoado a D. João o facto de este ter apoiado militar e pessoalmente Afonso X na guerra civil que o opunha ao seu filho D. Sancho, que contava com o apoio de D. Dinis – não via com bons olhos a existência de um senhorio privado nessa região tão próxima da fronteira com Castela, pelo que pouco depois da morte de D. João Peres de Aboim, conseguiu recuperar para a Coroa a posse de Portel. As negociações entre o rei e D. Maria de Aboim terminaram em 1301, com esta a ceder o castelo e a vila ao Rei Lavrador, em troca pelas vilas de Mafra, Évora Monte e Aguiar de Neiva.
Apesar de se tratar de uma estrutura defensiva implantada numa região de grande importância estratégica, só em Novembro de 1384 a vila e o castelo de Portel seriam palco de um episódio militar, quando, através de uma operação furtiva, Nuno Álvares Pereira conseguiu dominar a povoação e isolar o castelo, cujo alcaide – o poderoso fidalgo Fernão Gonçalves de Sousa, apoiante de Juan I de Castela e de D. Beatriz –, acabou por se render ao fim de poucos dias. Foi precisamente pelo papel que desempenhou nesta conquista que, dias depois de Aljubarrota, o Condestável recebeu essa fortaleza e vila que, por via do seu genro, D. Afonso – casado com a única filha de Nuno Álvares – passariam então a integrar o património da Casa de Bragança.

Bibliografia essencial sobre a figura de D. João Peres de Aboim e Portel na Idade Média
Mário Jorge Barroca, Tempos de resistência e de inovação: a arquitectura militar portuguesa no reinado de D. Manuel (1495-1521), Separata de Portugalia, Nova Série, Vol. XXIV, 2003.
António Janeiro, O Portel Novo de D. João Peres de Aboim. Poderes, Militarização e Organização Social da Serra de Portel (1165-1301), Portel, Câmara Municipal de Portel, 2017
Miguel Gomes Martins, Guerreiros de Pedra. Castelos, Muralhas e Guerra de Cerco em Portugal na Idade Média, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2016.
José Augusto de Sotto Mayor Pizarro, Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias, Porto, Centro de Estudos de Genealogia, Heráldica e História da Família, 1999, 2 vols.
Luísa Trindade, Urbanismo na Composição de Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 2013
Leontina Ventura, “João Peres de Aboim – Da Terra da Nóbrega à corte de Afonso III”, Revista de História Económica e Social, nº 18, 1986, pp. 57-73
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