Luís Silva- A Farsa do Piroso Isolado
- Francisco Gs Simões
- 21 de mar. de 2020
- 5 min de leitura
A Farsa do Piroso Isolado
Acordei neste Sábado de quarentena a procurar pela Brené Brown. Essa senhora com ar de quem faz compotas caseiras, doutorada em comportamento humano e grande apologista da vulnerabilidade como chave para o auto conhecimento humano e, consequentemente, para a empatia.
Imaginei o que ela estaria a pensar neste humano, quanto a darmos nomes a coisas e ao medo que se cria, quando não lhes damos um significante próprio. De facto, tenho tentado imaginar o que algumas pessoas pensam do que está a acontecer. Algumas já fui sabendo, outras continuo nessa curiosidade sagaz e quase mórbida de quase tentar saber o que esses aurautos da certeza e dos caminhos estabelecidos referem, numa altura em que digamos o que dissermos... sabemos muito pouco. Na verdade, nunca soubemos. Apenas vivemos com essa ilusão ocidental de que tinhamos conseguido conter o mal para sempre às nossas portas e nem uma crise humanitária a afogar-se diariamente pelo mediterrâneo e a tentar cruzar pela Turquia, nos iria mandar abaixo dessa utopia confinada entre roupas de marca que nunca ninguém precisou de mostrar ou todos os restaurantes da moda que fomos mostrando no instagram.
No meio disto a Brené sugere que continuemos a ser vulneráveis, principalmente num momento em que estamos separados fisicamente e onde a imagem do mundo que recebemos vem muito através de imagens pré-feitas no whatsapp ou vídeos (mais ou menos) engraçados que vamos recebendo do tik tok, mesmo que não tenhamos a aplicação.
Mas isto de ser vulnerável quer dizer efectivamete o quê? Refere-se sobretudo à capacidade que temos de olhar para nós e mostrarmos aos outros como efetivamente somos. Dos nossos receios e das nossas incertezas e juntos chegarmos a algumas conclusões. Diria que está mais do que confirmado que mais do que nunca teremos de estar juntos. De sermos mais reais. Aquelas coisas a que chamam de lero lero ou de soft-skills vão agora ser extremamente necessárias: a empatia, a comunicação inter-pessoal mas sobretudo a escuta ativa, que é algo que não se precisa de ter uma certificação em coaching para se fazer: no fundo não é mais do que estar calado a tentar compreender realmente o que a outra pessoa está a dizer, no sentido de conseguirmos encontrar pontos de convergência e de finalmente nos entendermos num mundo no qual estamos mais habituados a partilhar stories no facebook, do que a abrir as notícias que realmente importam.
Da saga do que realmente importa: importa estarmos juntos daqueles de quem gostamos e que agora entendemos que não devíamos ter dado isso por contínuo. Importa reflectir pelo que andamos estes anos todos a correr e talvez importe tentar traçar uma estratégia, que de alguma forma seja compatível com os nossos negócios e com as nossas pessoas. Importa percebermos em alguns casos os amigos que nunca o foram, as relações amorosas que nunca chegaram a ser construídas em torno de um bem comum ou o mal que fomos fazendo ao planeta e a cada um de nós, diariamente. Em pequenas acções, alavancadas por poucas certezas.
No meio da quarentena obrigatória lembrei-me de duas coisas: a primeira do quanto gosto de ir trabalhar todos os dias e partilhar a minha vida com os meus colegas e a sorte que isso foi durante estes 4 anos. Fica a certeza de quero fazer tudo o que puder para que isso continue a ser possível.
A segunda tem a ver com o isolamento social. Houve um dia desta semana em que efectivamente tive uma descida de adrenalina e percorri essa longa montanha de felicidade até um vale menos alegre. Vamos todos admitir que já passamos por isso, durante estes dias. Ser humano tem destas coisas.
Depois, lembrei-me que durante a minha pré-adolescência vivi praticamente em isolamento social pelo bullying constante a que estava submetido. Foi há tantos anos, numa vida tão distinta, que acabei por apagar essas memórias. Hoje percebi que me poderiam servir de ferramentas e fui repescar esse Luís que lia Sophia e Lídia Jorge todos os dias. O Luís que ouvia os cd’s do início até ao fim, que vibrava com os jogos que criava e que inventava as peças de teatro, mesmo sem público. Mesmo sem contra-cena. Mesmo sem palco.
Tenho-me tentado (re)lembrar de que como é viver sem pessoas à minha volta, o que é extreammente difícil, adorando eu trabalhar com e para pessoas, sendo um apaixonado pelos meus amigos e fazendo dos sábados esse dia para receber pessoas em casa. De passar a tarde toda a cozinhar para quem gosto e de quem sinto mais falta e talvz ir dançar um bocadinho no final.
Em tempos de incerteza, esta é a minha verdade: tentar antecipar cenários, criar estratégias para o futuro completamente incerto e tentar ser cada vez mais humano. Tentar ser mais paciente, mais grato e atento aos pequenos detalhes que a vida nos traz. Tentar estar bem com o que tenho, com o que construí, querer e lutar por mais, mas ter a consciência de toda a felicidade que me rodeia. Pelos amigos, pela família, pela equipa, pelos colegas, pela senhora da padaria que sempre que entro me diz ”bom dia senhor Luís”, e que de certeza continuará a dizê-lo. Em tempos de incerteza é urgente reconhecermos que sabemos pouco, ter essa humildade intelectual para dizermos bem alto “NÃO SEI”, para que juntos, consigamos chegar a uma resolução.
Por último, relembrei-me hoje que tinha iniciado um caminho mais ligado a fê e à crença mais espiritual desde o começo do ano e... que a larguei estas últimas duas semanas.
Falei com a minha mãe que já viveu algumas décadas. Algo de importante haveria ela de me dizer certo? Pois bem, esclareceu-me muito simplesmente que estávamos na quaresma.
Disse-lhe em tom ignóbil que não fazia a mínima ideia do que era a quaresma, para além do jejum que é suposto fazer-se, o que me pareceu bem dado a quantidade de kgs que fui ganhando nestes ´últimos dias. Voltando ao importante, “Quaresma” disse-me a minha mãe “ é uma altura de renovação, de reflexão pelo passado de forma a conseguirmos ultrapassar o futuro”. Fiquei-me com esta a mastigar.
Perguntei-lhe ainda como se aguentava fechada em casa, sozinha, há 3 semanas. Disse-me que nunca estava sozinha, porque nos tinha a nós, aos amigos e a Deus. Que nunca esteve ou estará sozinha. E foi aí que percebi que também nunca estive em isolamento estes dias. Nem acredito que voltarei a estar, porque aqueles de quem eu gosto carrego-os comigo para todo o lado, nutrindo-os e sorrindo-lhes sempre que tenho oportunidade. E os sorrisos que partilhamos não são das coisas mais importantes que temos?
Eu prometi que em 2020 seria piroso e não preciso de jurar, porque já perceberam que tudo farei por me manter file à pirosice e a quem sou.
Para quem quiser ouvir os 35 minutos da Brené: https://brenebrown.com/podcast/brene-on-ffts/
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