Ideias à solta
- Francisco Gs Simões
- 13 de fev. de 2019
- 1 min de leitura
Tiraram-te há pouco do útero da tua mãe. Um órgão que te acolheu durante 35 semanas. A partir do qual foste semente e, agora, és gente.
Tiraram-te agora da tua mãe.
Não choras. Não choraste quando não foste alimentado. Quando não foste mudado. Quando não foste atendido.
Nem foram os teus irmãos. Já tirados há muito.
Abriste os olhos para o mundo há menos de 48 horas. Deixas agora o hospital em braços entrelaçados, que não os dos teus pais.
Não os reconheces. Nem aos teus pais.
Existe uma azáfama em transportar-te dali, como se fosses uma encomenda urgente que é preciso fazer chegar ao destino.
Mas, qual é o teu destino? No teu destino, imediato, não existe o ilídico formatado pela maravilha do nascimento de uma vida.
Foste retirado. Ficas agora confiado ao Estado, afastado da incúria dos teus progenitores.
Não entendes nada, agora. Desconfio, não entenderás depois.
Há realidades duras nesta vida. A de não se ser amado por quem nos deu vida, julgo, será apenas uma das que marca de forma atómica. Fere o princípio central da existência humana, como a concebo. Destrói a capacidade neurológica para construir redes saudáveis com outros indivíduos, de acreditar que, no caos, podemos sobreviver. De respirar com intencionalidade. De regozijar com o cheiro de relva cortada, de emocionar com a música, de salivar com a comida. De existir.
Para todos os retirados desta vida, trazidos, renascidos, tantas vezes caídos. Hei-de escrever muito sobre nós.
Diana Gomes da Silva
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