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Grande Reportagem

O Ciberespaço aproxima-nos dos outros ou afasta-nos de nós deixando-nos mais sós?


O Ciberespaço e tudo o que o envolve trouxe-nos uma realidade nova e irreversível que nos traz a possibilidade de ir construindo um “mundo novo”. Esta realidade coloca a todos nós alguma apreensão, não tanto aos nativos da internet, mas mais aqueles que se auto-excluem das novas tecnologias e os que vivem o presente momento tentando estabelecer comparações segundo as suas próprias vivências.

O ciberespaço é um caminho sem retorno e nele devemos caminhar sem angústias e com a certeza que como em todas as revoluções tecnológicas o melhor estará sempre lá à frente.

Muitos são os mitos sobre as novas tecnologias, um dos quais é que as novas tecnologias afastam as pessoas de seus relacionamentos sociais.

Este mito tem vindo a ser desmitificado por alguns estudiosos na matéria que nos chamam a atenção para as novas formas de relacionamento que não são muito diferentes das formas clássicas e têm ainda algumas virtudes, pois no ciberespaço a interconectividade exige de ambas as partes uma atenção individualizada e sintonizada com o outro, situação que raramente acontece num encontro ocasional no mundo real, em que muitas vezes somos superficiais e ligeiros nas argumentações, parecendo-nos uma perda do tempo que poderia estar sendo dedicado às diversas tarefas do dia-a-dia.

Uma outra questão e diremos mesmo, a questão de fundo desta “Grande Reportagem” prende-se com a solidão acompanhada que pode causar a vivência no mundo ciberespacial.

Todos somos confrontados no dia a dia com casais, famílias, amigos isolados uns dos outros nos encontros que promovem. Os cafés, as nossas casas, as ruas encontram-se cheias de gritos mudos de risos sem sentido e de encontros solitários.

Os jovens cada vez menos são os que mais usam as novas tecnologias para se refugiarem, para fugirem ao confronto directo com as pessoas que os rodeiam.

Diz a psicóloga e socióloga Sherry Turkle, professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), no seu livro Alone Together (Sozinhos Juntos): “A tecnologia é sedutora quando o que oferece preenche nossas vulnerabilidades humanas. E somos, realmente, bastante vulneráveis. Somos solitários, mas temos medo da intimidade. As conexões digitais oferecem a ilusão de estarmos acompanhados, contudo sem as demandas da amizade. A nossa vida virtual permite esconder-mo-nos uns dos outros, mesmo quando estamos interessados. Preferimos teclar a falar”.

Aquela socióloga refere que certa vez, durante sua pesquisa de campo, ouviu de um rapaz de 18 anos: “Um dia gostaria de aprender a ter uma conversa de verdade”.

Sherry Turkle que era uma entusiasta do mundo digital, durante os seus estudos sobre o tema, identificou alguns exageros no do universo virtual. Isso levou-a a rever a sua posição, sem deixar de reconhecer os benefícios de viver na Idade da Web.

Como referimos são os mais jovens que se refugiam nas tecnologias para, digamos assim, fugir ao mundo real. Uma pesquisa feita pelo Pew Research Center nos Estados Unidos com 2 000 usuários de smartphone, divulgada em Abril do ano passado, mostrou que nada menos do que 47% dos jovens adultos, na faixa entre 18 e 29 anos, usam o dispositivo para deliberadamente evitar as pessoas ao redor ainda que, uma vez por outra, possa haver algum tipo de interação entre cibersolitários.

A percentagem diminui conforme a idade aumenta. No mesmo levantamento, enquanto 54% do total de entrevistados assume que o telefone nem sempre é necessário, 46% dizem que não podem mais viver sem ele. Embora o aparelho suscite mais emoções positivas do que negativas - 79% disseram sentir-se mais produtivos com ele, por exemplo -, 57% mencionaram “distração excessiva” e 36%, “frustração” ao utilizar o telemóvel.

É interessante, verificar que a mera presença de um smartphone desligado, já é suficiente para interferir na qualidade da conversa entre duas pessoas. Foi o que revelou o estudo “The iPhone effect” (O efeito iPhone), realizado em 2014. Nele, pesquisadores da universidade Virgínia Tech observaram 100 casais que interagiam num café durante dez minutos.

Aqueles que trocaram palavras sem a presença de um iPhone à mesa reportaram maior empatia e proximidade em relação ao interlocutor. O trabalho, feito com voluntários, comparou o contacto estabelecido entre pessoas que se conheciam e desconhecidas entre si. Até os desconhecidos que conversaram sem o smartphone por perto relataram um grau maior de empatia do que os conhecidos que fizeram o mesmo na presença de um telefone.

Este fenómeno não é exclusivo de países estrangeiros, em Portugal o fenómeno é idêntico e já existem investigadores a estudarem o fenómeno. Recentemente foi divulgado um que indica que passar muito tempo online faz os jovens sentirem-se sozinhos, mesmo quando não deixam de falar com os amigos frente a frente.

Um estudo do Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA), em Lisboa, mostra que os jovens portugueses que passam muito tempo nas redes sociais se sentem mais sozinhos.

Em 2016, um inquérito a utilizadores portugueses do Facebook, feito na Universidade Lusófona do Porto, mostrou que quem passa mais tempo na rede social se sente mais só.

Uma vez que esta questão do sentimento de solidão se mantém mesmo quando o tempo que passam online não interfere com o tempo que passam a falar com amigos fora da Internet, importa saber porquê.

E, segundo investigador do ISPA Rui Costa, relatou ao jornal Público.

“O nosso estudo sustenta que há qualquer coisa na comunicação online que causa a solidão, que é a forma como a comunicação acontece online que cria esse sentimento” e ainda que “nas raparigas, em particular, o sentimento de solidão não se explicava por passarem menos tempo com os amigos”.

As conclusões deste estudo foram publicadas na revista académica International Journal of Psychiatry in Clinical Practice e revela que no estudo foram inquiridos 548 jovens em Portugal (dos 16 aos 26 anos) entre 2015 e 2016 e mostra que as redes sociais eram de longe a actividade preferida dos jovens quando estão na Internet.

Os participantes foram avaliados quanto à percepção de solidão, ao ambiente familiar, e se têm um “uso problemático da Internet”. Foi questionado o grau de identificação com afirmações como “A interacção social online é mais confortável do que frente-a-frente”, e “Faltei a compromissos sociais devido ao meu uso da Internet”.

Inicialmente, o objectivo do estudo era avaliar a relação entre o uso problemático, ou vício, da Internet e o grau de interacção social. “A Internet começa a ser um problema quando há problemas de privação”, explica Costa. “Quando não dormimos, quando deixamos de fazer o trabalho, ou quando usamos o telemóvel para resolver problemas como a ansiedade ou a depressão. Se nos sentimos ansiosos e agarramos o telemóvel, estamos a ignorar o problema subjacente. explicou ao Público o investigador.

No caso dos rapazes que participaram, como já se tem visto noutros estudos sobre o tema, um uso problemático da Internet estava associado a menos tempo para os amigos ou parceiros fora da Internet. Mas com as raparigas, embora o tempo online interferisse com algumas relações familiares, não interferia com o tempo que passavam a falar com os amigos em pessoa. Só que, mesmo assim, elas reportavam sentimentos de solidão.

“E mesmo com os rapazes, que passavam menos tempo com os amigos, não havia uma conexão directa ao maior sentimento de solidão”, diz Costa. “E isto foi muito interessante. Até agora pensava-se que a Internet levava as pessoas a passar menos tempo a falar com amigos e que isso levava à solidão. Mas agora podemos ver que é a própria Internet que causa a solidão.”

Para os investigadores do ISPA, o motivo pode estar associado à evolução da espécie humana, durante a qual a vida em sociedade foi necessária para a sobrevivência. Como tal, os mecanismos cerebrais aprenderam a reconhecer a satisfação em interacções sociais apenas quando há informação sensorial suficiente a acompanhar. 

O aumento da solidão entre os jovens é uma realidade observada também no Observatório da Solidão, do Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo (ISCET), no Porto.

O investigador Adalberto Dias de Carvalho citado pelo jornal Público refere que “Muitas vezes tem-se a percepção de que a solidão surge principalmente na população mais idosa. Não é bem assim. As vivências de solidão surgem com mais frequência nos jovens. A diferença é que os mais jovens têm mais facilidade em sair do estado de solidão.”

Adalberto Dias diz que as redes sociais são vistas como um “veículo para superar a solidão”, tanto pelos mais jovens como por outras faixas etárias. Mas – tal como a psicóloga Raquel Carvalho e o estudo do ISPA notam – “as relações mediadas pelas redes sociais têm uma natureza diferente”.

Um dos problemas refere Adalberto Dias, é que “as redes sociais criam um estado ilusório de conexão” que se nota, por exemplo, com a facilidade com que se elimina um amigo. “Na Internet basta carregar num botão e uma relação desaparece. A gestão de conflitos é diferente das relações interpressoais”, nota o investigador.

Para a psicóloga Raquel Carvalho é importante travar comportamentos que podem levar à solidão digital cedo. “É cada vez mais normal ver bebés agarrados aos tablets. Nos adolescentes são as redes sociais e também os jogos online. É bom começar a introduzir limites nos mais novos. A propor alternativas ao tempo online, por exemplo, com outros colegas, frente a frente.”

A Organização Mundial de Saúde (OMS) nota que boas redes de suporte social são um factor determinante para o bem-estar. Em Janeiro, o Reino Unido nomeou um ministro para a Solidão (o primeiro do mundo), que é um problema que afecta mais de nove milhões de britânicos. O objectivo é impedir a proliferação de um fenómeno que pode dar azo a demência, ansiedade, e aumentar a mortalidade precoce.

Em 2019, os mais jovens são entre aqueles que mais sozinhos se sentem em todo o mundo: numa investigação da estação britânica BBC sobre a solidão – em que foram inquiridas 55 mil pessoas em todo o mundo – 40% dos jovens entre os 16 e os 24 anos admitiram sentirem-se frequentemente sozinhos. A percentagem foi superior à de outras faixas etárias. Além disso, os inquiridos que mais reportaram sentimentos de solidão eram aqueles que tinham mais “amigos online” no Facebook.

A equipa do ISPA quer continuar a estudar o fenómeno da solidão digital em Portugal. “No futuro, queremos analisar o uso problemático do smartphone com o phubbing,uma amálgama das palavras inglesas phone e snubbing) designa o acto de ignorar alguém, numa ocasião social, ao olhar para o telemóvel em vez de prestar atenção a essa pessoa.

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