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Grande Reportagem

A Reforma Agrária acabou a terra a quem a trabalha....não!

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Talvez para muitos a “Reforma Agrária” diga muito pouco. E, se diz muito pouco a muitas pessoas, o seu significado na história recente de Portugal dirá “coisas” antagónicas consoante quem a viveu no lado dos ocupadores ou dos ocupados.

Passados 44 anos de um período que deve ser estudados com paixão, mas sem a paixão desses tempos conturbados do PREC, outra denominação que muitos não conhecem, Processo Revolucionário em Curso, o que restava dos efeitos práticos da Reforma Agrária foi digamos assim enterrado, com a devolução aos seus proprietário da Herdade dos Machados, em Moura, uma propriedade com mais de 200 hectares.

Em 1975 esta herdade foi ocupada pelos trabalhadores ao sabor de uma onda que varreu todo o Alentejo, o lema dessa altura era “A terra a quem a trabalha”. Com o arrefecimento do fervor revolucionário esta Herdade foi então arrendada ao Estado que a tinha entretanto nacionalizado.

Face ao desinteresse dos arrendatários a Herdade dos Machados, que fazia parte de uma enorme propriedade que se estendia em 19 parcelas que atravessam as freguesias de Moura e Santo Amador vai ser devolvida a quatros os herdeiros que receberão a área que pertencia a Ermelinda Neves Bernardino Santos Jorge, neta do fundador da herdade criada no século XIX.

Com a devolução da Herdade dos Machados pode dizer-se que se encerra em termos administrativos um processo que se iniciou em 1977 com a famosa lei Barreto que acabou com a Reforma Agrária.

Falar da reforma agrária é falar do uso da terra cuja discussão tem muito mais de 44 anos, já em 1912 e 1917 houve levantamentos de trabalhadores no Alentejo, nomeadamente em Portel e Vale Santiago havendo inclusivamente ocupações.

Na década de 60 foram muitas as manifestações protagonizadas pelos camponeses do Sul, com o governo de Salazar a impor a sua força para repor a ordem nos campos no Ribatejo e no Alentejo, como aconteceu em 1962.

Em Maio desse ano aconteceu no sul do pais uma paralisação que poucos julgavam ser possível, cerca de 200 mil trabalhadores fizeram uma paralisação a exigir o fim da jornada do nascer até ao pôr do Sol em troca de "apenas" oito horas de trabalho.

Foi a 1 de Maio que após 18 reuniões ilegais realizadas em Março e Abril, os trabalhadores do campo se manifestaram. De referir que na base desta paralisação estava o Partido Comunista Português , que embora clandestino estava organizado e tinha junto dos camponeses do Sul um grande apoio popular.

Com a revolução de Abril a questão da posse da terra veio de novo à ribalta, e com a realização do I Congresso da Reforma Agrária deu-se inicio às ocupações da terras, numa avalanche que criou uma enorme fractura na sociedade alentejana e também no país, pois entre latifundiários absentistas e muitos deles “falidos” e lavradores amantes da terra, arrendatários humildes, todos foram como se costuma dizer “ metidos no mesmo saco” e aquilo que poderia ser um bem comum acabou por criar uma situação em que não se resolveu a questão da posse da terra, que ainda tem deve ser discutida.

Voltando um pouco à história da Reforma Agrária, digamos que a primeira ocupação se deu a 5 de Julho de 1974, na herdade de Vale de Água, em Ervidel. A 5 de Outubro, segue-se a Quinta D. Maria e, cinco dias depois, a Santa Vitória, um dia depois a Salvada e a Herdade das Freiras (todas no distrito de Beja).

Se estas ocupações são digamos feitas de forma espontânea, aquela que marca a forma organizada de dar a terra a quem a trabalha aconteceu em Dezembro de 74 com a ocupação do Monte do Outeiro. Pela primeira vez, reuniram-se os factores que deviam ser tidos em conta para as terras serem ocupadas e que eram, as terras abandonadas, trabalhadores sem emprego, sindicatos a dar apoio e militares do Movimento das Forças Armadas a impor e legalizar a nova ordem para a terra. Segundo os relatos da época, de um dos principais membros do PCP, José Soeiro, o "Havia 14 mil trabalhadores que precisavam de emprego. Tinham-se-lhes atribuído diversas herdades para se apresentarem, mas os proprietários não os queriam. Muitos dos empregados, alguns com 20 anos de casa, foram até despedidos."

Assim na noite de 9 para 10 de Dezembro, uma comissão composta por sindicatos, um representante dos agricultores e outro do Ministério da Agricultura deslocou-se às proximidades da herdade do Monte do Outeiro e, perante os trabalhadores, considerou que havia condições para mais criar emprego. Foi invocado o Decreto 670/74, que permitia intervir em empresas no sector da indústria caso houvesse situação de sabotagem económica e reivindicada a sua aplicação no sector agrícola.

Não é intenção do JP fazer neste espaço a história da Reforma Agrária é sua missão sim, lembrar que existiu um período da nossa história é que a terra foi alvo de disputa e que a posse da terra é ainda hoje um tema que deve ser discutido. O Alentejo mudou muito e muito se poderia escrever sobre essa mudança, quer por aqueles que viveram os dias da Reforma Agrária quer de um lado quer do outro lado da barricada, quer por aqueles que fazem uma análise mais pragmática do tema.

Houve beneficio, claro que sim, muitos melhoraram as suas condições de vida, tiveram pela primeiras vez férias, trabalho certo, mas muitos viram também a sua vida roubada, sofreram perseguições humilhações. Quarenta e três anos depois é possível ao jornalista dizer, nada foi ainda contado sobre a Reforma Agrária e está ainda nem sequer começou.

MS

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