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Grande Reportagem

A verdadeira Vera Cruz


É provavelmente umas das terras mais “místicas” de Portugal e é de tal forma forte o seu misticismo, que passa quase despercebida a sua importância quer para a religião quer para a história de Portugal.

Sim, Vera Cruz é muito mais que uma localidade alentejana, muito mais que uma localidade envolta em mistérios com um dos monumentos mais importante e menos divulgado da arquitectura religiosa portuguesa e com uma história e muitas lendas por contar.

Vera Cruz de Marmelar, dista da sede de concelho, Portel cerca de 10 Km e fazendo uma regressão no tempo vamos até aos primeiros registos históricos que cantam do século treze, embora se admita que este local já era antes ocupado por muitos habitantes.

Mas, o que deu alguma importância à terra foi o facto de ter sido ali instalado em meados do século XIII um mosteiro hospitalário, importante edifício que permaneceu na posse da ordem de Malta até ao século XIX, ou seja até que com o liberalismo foi decretada a extinção das ordens religiosas no país.

Podemos e sem rigor científico, usando apenas os sentidos, verificar que Vera Cruz destoa um pouco da paisagem alentejana, por estar inserida numa região razoavelmente montanhosa.

O que atualmente faz de Vera Cruz uma terra alentejana um pouco diferente é para além do Mosteiro ter algo que diz muito a todos os que se interessam por estas coisas místicas e religiosa. Em Vera Cruz encontra-se um pedaço do Santo Lenho, ou seja, da cruz onde Cristo foi crucificado.

Vamos ver de forma muito resumida e simples como é que surge este pedaço de madeira e qual o seu significado histórico ou religioso.

Diz a Lenda Dourada, que nos primórdios da humanidade, mais concretamente a Seth segundo o que refere o Génesis da Bíblia, o terceiro dos 33 filhos de Adão e Eva, foi ele escolhido pelo pai moribundo para ir pedir uma semente da árvore da vida ao Arcanjo Miguel.

O último desejo do primeiro homem foi concedido e Seth foi depositar a dita semente na boca do pai, antes de o enterrar. Dessa semente nasceu uma árvore, que foi depois usada na construção de uma ponte, que veio a ser atravessada pela Rainha de Sabá a caminho do seu célebre encontro com o Rei Salomão.

Esta madeira foi posteriormente utilizada na cruz que Jesus carregou e onde veio a ser crucificado, funcionando assim como um elo mágico entre Adão e Cristo.

Trezentos anos depois, a dita cruz, ou o que dela restava, foi reivindicada por Helena, mãe de Constantino (primeiro imperador romano cristão), após visões reveladoras do sítio em que se encontrava. Esteve guardada como tesouro na capital do Império Romano do Oriente, até ao saque de Constantinopla efectuado pelos cruzados em 1204.

A "Vera Cruz" foi então cortada aos pedaços e foi distribuída por diversos centros da cristandade, de Paris a Jerusalém e também... Marmelar.

Mas, dirão. Porquê Marmelar? Pois bem o pedaço de Santo Lenho que veio da Terra Santa, não se destinava a Marmelar, mas sim à Sé de Évora, onde aliás se encontra actualmente uma relíquia com idênticas características).

Diz a lenda que a mula onde o Santo Lenho era transportado parou em Vera Cruz, recusando a ir mais adiante e ali vindo a morrer. Logo se produziram uma série de milagres, brotando da terra uma fonte tida por santa e nascendo um pinheiro no local onde o arneiro espetou a vara com que picava a mula. O sinal era evidente: a relíquia devia ficar naquele local.

O pedaço da cruz de Cristo ficou então em Vera Cruz, ou melhor o pedaço de madeira foi cortado em dois, um ficou e outro foi para Évora, só que, e mais adiante falaremos disso, o Santo Lenho de Vera Cruz mostrou sempre um poder muito maior que qualquer outro existente e de tal forma era o seu poder que D. Álvaro Gonçalves Pereira, Grão-Mestre da Ordem do Hospital e pai do célebre Nuno Álvares Pereira, quando ía a caminho do sul da província de Cádis para se juntar ao rei D. Afonso IV e às forças cristãs para enfrentar os mouros, decidiu fazer um desvio e vir a Vera Cruz pedir a relíquia emprestada.

O poder do santo lenho de Vera Cruz foi decisivo para a vitória dos cristãos na batalha travada na ribeira do Salado (Tarifa), em Outubro de 1340, e que marcou o volte-face definitivo na Reconquista na Península Ibérica.

Antes, já D. Dinis a tinha pedido emprestada tendo ficado com ela até à sua morte. Como se pode verificar o santo lenho de Vera cruz foi decisivo para o reino de Portugal.

Do antigo mosteiro da Ordem de S. João de Jerusalém e que teve ao logo dos tempos envolto em muitas quezílias, o que resta hoje é a Igreja consagrada a São Pedro, que se encontra razoavelmente bem preservada, e o anexo paço dos comendadores.

A igreja de planta rectangular apresenta duas capelas na cabeceira, cada qual de seu lado do altar-mor. As duas capelas, uma das quais guarda o fragmento do Santo Lenho, foram construídas com grandes blocos de mármore e são uma peça de arquitectura única em Portugal. Chegam e sobram para fazer de Vera Cruz o mais importante monumento do Município de Portel e um dos mais importantes do país no que respeita à Alta Idade Média.

Para além da imponência do monumento há outros “tesouros” na igreja de Vera Cruz, um acervo pictórico de duas dezenas de tábuas e telas e um Pentecostes raro, que os especialistas dizem ser oriundo de Antuérpia e de um discípulo do mestre renascentista Van Cleeve.

Valioso também é o armário do relicário, obra em madeira policromada que será a original, embutida na parede da capela do Santo Lenho.

Como se pode verificar estes tesouros e outros fazem deste monumento algo de imprescindível não só de visitar como de divulgar, contudo a única distinção da igreja de Vera Cruz conhecida, é a de Imóvel de Interesse Público, classificação obtida em 1939.

Mas, voltando às lendas e aos mistérios do santo lenho.

Porque razão tendo o pedaço da cruz de Cristo sido cortado em dois depois da batalha do Salado, tendo uma parte ido para a Sé de Évora enquanto a outra foi restituída à Igreja de Vera Cruz de Marmelar, o santo lenho mais conhecido e reconhecido seja o de Vera Cruz?

Em Évora até aos meados do século passado a relíquia ainda saía à rua para benzer a cidade e os campos, hoje está confinada tal como o relicário outra rica peça de ourivesaria, esta datada de finais do século XVI, ao Museu de Arte Sacra da Sé.

Dizem, aqueles que dizem e que fica na memória e na vida das pessoas, que a relíquia de Vera Cruz é mais verdadeira que a de Évora, isto porque o corpo de Jesus tocou nessa parte da cruz e não na parte da cruz que está em Évora e é por isso que o santo lenho de Vera cruz tem poderes mágicos.

Milagres, exorcismos. Religião, misticismo, tudo isto se sente em Vera Cruz, que continua uma terra pacata de gente simples de olhar vivo e que vai contando as suas histórias os seus milagres como o daquele rapaz-cão que, em 1950, depois de ser confrontado com o fragmento da Verdadeira Cruz, ficou completamente curado.

O exorcismo é um ritual católico que tem em vista, de forma preventiva ou curativa proteger o homem da possessão diabólica. O rito segue regras estritas constantes do "Ritual Romano", utilizando o sacerdote orações, água benta, objectos benditos como o Agnus Dei e, claro, relíquias como o Santo Lenho.

Ora tendo Vera Cruz um poderoso santo lenha conhecido pela sua eficácia no âmbito do ritual católico, foi com certa naturalidade que em Vera Cruz se realizassem exorcismos.

Numa investigação feita quando o pároco local era o padre Silvério, os exorcismos eram totalmente públicos.

Após a sua morte, a política da Igreja foi no sentido de afastar o público, tendo segundo os investigadores deste fenómeno tido a informação que já não se realizavam exorcismos no local, facto segundo eles desmentido por informações a que foi possível ter acesso.

Segundo os investigadores do GIFI os rituais a que assistiram apresentavam algumas particularidades, designadamente porque não havia uma verdadeira análise prévia de cada caso, muito embora o Padre Silvério colocasse sempre algumas perguntas ao suposto possesso, sendo vulgar insistir com as pessoas para consultarem um médico. Em todo o caso, tanto eram submetidos ao ritual aquelas pessoas que, sem quaisquer sintomas ali iam como quem participa na comunhão, como manifestos doentes psíquicos e, por fim, aqueles casos mais estranhos que nos deixaram dúvidas sérias em termos de qualificação.

Bem, Vera Cruz terra de tantos mistérios que merece uma visita e ser-lhe devolvida a importância histórica e religiosa que tem de fato.

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