Grande Reportagem
- Francisco Gs Simões
- 12 de jul. de 2019
- 7 min de leitura
E um dia… uma Fábrica mudou uma região

Amanhã é dia de festa na Tyco Electronics. Numa altura em que se comemoram os cinquenta anos da “Fábrica” em Évora, e chamamos-lhe somente fábrica, porque a Tyco é a sucedânea da Siemens, empresa que chegou a Évora em 1969, altura em que foi lançada a primeira pedra para aquela que seria uma Fábrica que iria modificar a sociedade eborense.
Ao contrário de outras comemorações da “Fábrica”, esta vai ser feita nas instalações daquela unidade fabril e por isso vai ser um momento de alegria e também de certa nostalgia para aqueles que dedicaram uma vida à “ Fábrica” e que amanhã entre boas e m+ás recordações vão concerteza emocionar-se.
Não vamos aqui fazer a história factual da “Fábrica”, cuja primeira pedra foi lançada em 1969 e cuja laboração começou dois anos depois. Vamos sim abordar de uma forma simples os impactos sociais que a “Fábrica” teve na cidade e na região.
Comecemos então por tentar fazer um esforço não só de memória, mas também baseado em alguns fatos históricos, para tentar perceber como era a sociedade eborense, alentejana e portuguesa na altura.
No ano em que se inicia a construção da fábrica da Siemens ou “Siémes” como então se falava na cidade, Portugal vivia momentos de terror e transformação. 1969 Foi o ano do grande terramoto de magnitude 7,9 na escala de Richter que provocou estragos, arrasou uma aldeia, deu azo a um pequeno tsunami e provocou 13 vítimas mortais, duas das quais consideradas vítimas diretas do abalo. O sismo foi sentido em Marrocos, mas também em Bordéus e nas Canárias. Em Portugal, o Algarve foi a região mais afetada. Era também a que estava mais próxima do epicentro, localizado a cerca de 200 quilómetros a sudoeste de Sagres.
Mas, 1969 foi muito mais que o sismo do Algarve, foi também o ano é que os portugueses ficaram acordados até de madrugada para verem na RTO o homem pisar a lua. É também o ano da crise académica de Coimbra, da realização do Segundo Congresso Republicano e das eleições legislativas, a que a oposição concorre.
Nesse ano Marcelo Caetano iniciava a RTP, as suas Conversas em família, através das quais pretendia iniciar uma nova forma de comunicação com a população. Nas províncias ultramarinas como então eram designadas as colónias portuguesas, a guerra continuava e os movimentos de libertação dos territórios ultramarinos iam ganhando força. Eduardo Mondlane, dirigente da Frelimo, foi assassinado, nesse ano.
O país tinha 30 jornais diários, nesse ano morreram, entre outros, os escritores António Sérgio, Alves Redol, José Régio, Manuel Mendes e Mário Sacramento, bem como o arquitecto Carlos Ramos.
Simone de Oliveira venceu o Festival da Canção com Desfolhada. O Zip-Zip, o primeiro talk show da televisão em Portugal, apresentado por Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado, estreia na RTP, dando a conhecer cantores como Francisco Fanhais e Manuel Freire. José Afonso edita Contos velho, rumos novos e Amália Rodrigues cantou na Rússia.
A nível desportivo, o Benfica vence o campeonato e a Taça de Portugal, no jogo em que defrontou a Académica e onde os estudantes mostraram o seu desacordo com o regime. Lá fora o “ nosso” Joaquim Agostinho alcançou o 8.º lugar na Volta a França.
Pelo Alentejo também algo começava a mudar 1969 foi um ano marcante para o Planeamento Regional em Portugal, pois de acordo com o III Plano de Fomento, foi feita a divisão do território do Continente e Ilhas Adjacentes em seis regiões a Região Norte, abrangendo os distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto (Sub-região do litoral) e os de Vila Real e Bragança (Sub-região do interior), a Região Centro, composta pelos distritos de Aveiro, Coimbra e Leiria (Sub-região do litoral) e os de Viseu, Guarda e Castelo Branco (Sub-região do interior), a Região de Lisboa na qual estavam os distritos de Lisboa e Setúbal (Sub-região do litoral) e Santarém (Sub-região do interior), a Região Sul abrangia os distritos de Portalegre, Évora e Beja (Sub-região do Alentejo) e Faro (Sub-região do Algarve), a Região dos Açores, abrangendo todo o arquipélago doa Açores e a Região da Madeira onde se incluía todo o arquipélago da Madeira. O presidente da CPRS era o alentejano Armando Perdigão.
Em Évora o Jornal de Évora que desde 25 de Dezembro de 1957 estava nas bancas em Évora enfrentando dificuldades dos políticos chegou a trissemanário recebendo o apoio dos leitores, requereu ao Governo a passagem a Diário, acabou em 24 de Fevereiro de 1969 e, no dia seguinte aparecia o Diário do Sul.
Era neste país neste Alentejo e nesta cidade que a Siemens deu inicio à construção da “Fábrica” cujo lançamento da primeira pedra for eternizado pela lente do grande repórter fotográfico do século XX, Carlos Tojo.
Mas, como é que era o Alentejo e a cidade de Évora nesta altura? Pois bem no distrito de Évora dominava, quase exclusivamente, a grande propriedade agrícola, sendo pouco importante o comércio e a indústria. Embora o comércio fosse pouco significativo, à exceção dos cereais e gados, alguma indústria era relevante para a exportação, sobretudo cortiça e mármores, havendo ainda curtumes e moagem.
Foi neste cenário que de repente surge uma fábrica que vai empregar homens e mulheres cuja base de recrutamento tem de ser essencialmente gente do campo, era preciso uma grande revolução para tudo isto dar certo. E deu.
Das alceias e vilas e dos arredores de uma cidade desordenada em termos urbanísticos, um centro histórico, a que ainda hoje se chama “cidade”, algo distante de alguns aglomerados sub urbanos e rurais, vieram homens e mulheres sem conhecimento e sem experiencia, mas com um grande desejo de aprender e principalmente de melhorar as suas condições de vida em termos económicos.
Para a Alemanha seguem alguns homens e poucas (talvez duas ou três) mulheres que vão ter formação para depois serem elas a iniciar a produção. Vão entrando depois homens e principalmente mulheres, que vão ser aquilo que era raro haver na cidade operárias, a trabalhar lado a lado com os homens, a fazer turnos, eram jovens, bonitas, cheias de sonhos, cheias de vontade de serem mulheres modernas e independentes.
Estas mulheres romperam com o que lhes estava destinado, a serem somente donas de casada servirem em casa de patrões, com um pouco de sorte seriam telefonistas, modistas, costureiras, empregas de comércio e se houvesse possibilidade lá chegariam a enfermeiras ou professoras primárias. Ah... restava-lhes sempre o campo, os trabalhos sazonais do campo, as ceifas, a monda, a apanha da azeitona.
De repente surge a “Fábrica”, a hipótese de ganhar dinheiro o ano todo, de terem fins-de-semana e férias de poderem contar com a sua capacidade de trabalho para poderem juntar ao ordenado mais alguns contos em prémios de produção. Tudo isto e muitas para ajudar as famílias, as fazia enfrentar a cidade e a região.
Sim, porque apesar dos ventos de mudança a cidade continuava a ser extremamente conservadora, preconceituosa, orgulhosa de uma pobreza escondida e que não se conformava com as alegrias das jovens que às cinco da tarde invadiam a Praça do Giraldo, corriam pelas lojas, distraiam-se nos cafés e sem saber modernizavam uma cidade envelhecida e com cheio a naftalina.
Não foi fácil a vida das operárias, o trabalho era duro, monótono, cansativo, mas a necessidade e a vontade era muito maior e não as fez desistir e com o tempo deixaram de ser um produto do campo para começarem a ser mulheres citadinas mulheres modernas e vaidosas sem precisarem dos homens para escolherem ser…felizes.
Ah…e os homens, sim porque também havia homens na “Fábrica”, também eles tinham vindo maioritariamente dos campos, também eles procuravam na “Fábrica” melhores condições para as suas famílias, também eles ali viam uma janela de oportunidades para “subirem” na vida. E subiram.
Das aldeias trouxeram o sentido comunitário, juntaram, ajudaram-se, aproveitaram algum desordenamento urbanístico e compraram lotes de terreno e foram construindo a sua casa”na cidade”, juntavam-se ao fim de semana para levantar uma parede, no outro iam ajudar o ouro amiga a construir a sua e assim foram nascendo bairros, hoje bem conhecidos na cidade como o Bacelo.
Esse sentido comunitário não se via só na ajuda na construção da casa via-se também nos momentos de convivio e assim surgiu um grupo coral bem alentejano uma casa do “povo” onde muitas vezes matavam a saudade das tardes e dos serões na sua terra.
Também eles, os homens foram mudando e mudando a sociedade, pois ganharam respeito pelas mulheres, ali as conheceram, ali as namoraram, ali casaram ali construíram uma vida que lhes permitiu dar aos filhos uma educação que sabiam que os seus pais também tinham sonhado para eles. E isto tudo graças á fábrica.
E, a “ Fábrica”. O que é que uma grande multinacional ganhou, porque é que ao escolher Évora aqui ficou até aos dias de hoje e sempre com os olhos postos no futuro?
Dissemos atrás que face às especificidades da região, tinha tudo para dar mal. Mas não deu.
Se tivermos em conta que três anos após o começo da laboração, aconteceu uma revolução em Portugal, que para alem de ter trazido aos portugueses a liberdade e a democracia, trouxe também e principalmente no Alentejo alterações sócias politicas e económicas que poderiam colocar em causa a continuidade da fábrica.
As condições eram politicamente adversas, as lutas sindicais agudizavam-se muitas vezes ultrapassando os interesses laborais, o pais passou por diversas crises financeiras, foram muitas as fabricas que ao longo dos anos foram fechando no país em zonas muito mais, digamos que acolhedoras para as empresas.
Contudo a “Fábrica”, continuou a trabalhar as operárias e operários continuaram a poder contar com o seu vencimento e a questão que se coloca é porquê?
A resposta mais simples é a de que compensou sempre em termos financeiros, estar em Évora. Como disse é uma resposta simples e apressada pois ao longo dos anos, países surgiram onde a mão-de-obra era e é substancialmente mais barata.
Então, não sendo este o argumento primordial para a permanência da “Fábrica” durante cinquenta anos em Évora, resto o outros, aquele que fés toda a diferença entre o ficar ou o ir. A qualidade das pessoas.
Foi sem dúvida a qualidade a disponibilidade de trabalho e de aprender, porque ao longo das décadas, muita coisa mudou e as mulheres e os homens que pouco ou nada sabiam, tiveram a capacidade de aprender e estar sempre prontos para acompanhar as mudanças tecnológicas que iam acontecendo, que faz com que a Fabrica esteja ainda hoje em Évora.
Neste deve e haver a hoje Tyco Electronics e a cidade, a região e os operários e operárias hoje modernamente apenas colaboradores, pode dizer-se que não devem nada uns aos outros, estão por isso todos ao mesmo nível. Por isso a festa de amanhã é merecida e é de todos.
Muito se podia ainda escrever, falar, estudar cientificamente, nem tudo foram como se costuma dizer “rosas”, houve muitos dramas, muitas injustiças, muita exploração, houve tudo neste micro mundo, aquilo que há no Mundo que todos temos o dever de construir, mas isso como dizes o historiador Joel Cleto, são outros factos, quiçá outras lendas futuros…caminhos da história de uma “Fábrica”que ainda está para contar.
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