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Cartas de Amor

Os encontros mais importantes

já foram combinados pelas almas

antes mesmo que os corpos se vejam...


A hora marcada tinha passado há muito. David Salgado levantou-se do banco de jardim que tinha escolhido meteu as mãos nos bolsos e caminhou lentamente pela alameda com os olhos fixos no chão coberto de folhas amarelecidas das longas árvores que lhe prestavam vassalagem. Uma lata de Coca-Cola descuidadamente deixada no chão foi pontapeada por David, que ajeitou o casaco e aconchegando um pouco as mãos nos bolsos, soltou um leve sorriso de conformismo e dos seus olhos surgiu uma luz que lhe trouxe um otimismo mentiroso, mas que ele aceitou como coisa boa. “Sabes a vida é um somatório de enganos”, disso ele ao jovem do quiosque que lhe vendeu o último jornal do dia, e antes que o rapaz dissesse algo, David Salgado continuou “ enganamo-nos porque faz parte da condição humana enganarmo-nos, mas depois passamos a enganar-nos para justificar os enganos, e quando já não temos duvidas dos nossos engamos continuamos a acreditar que afinal estamos enganados” O rapaz do quiosque sorriu acenou-lhe sim com a cabeça enquanto David Salgado, retribuía o sorriso e continuou a caminhar lentamente com as mãos nos bolsos e o jornal debaixo do braço. Não sabia bem se tinha combinado um encontro coma Rita tudo tinha sido tão vago naquela breve conversa que tinha tido entre a sua saída do Metro e a entrada dela no comboio que a levaria a casa no outro lado da cidade. Sim, ela tinha dito que sim. Aliás, ela nunca disse que não, só que muitas vezes o sim que ela dizia era aquilo que queria e não ao que o David Salgado pensava que tinha dito. Pelo sim pelo não o aspirante a argumentista de filmes a preto e branco no qual o inicio era sempre a chegada de um comboio à gare do norte e a partida era de um avião rumo a Lisboa numa manhã de nevoeiro, acreditava que o sim era para um encontro sem tempo e tema definido. Continuou a caminhar agora de cabeça levantada com um sorriso a sair-lhe dos olhos enquanto da boca saia um assobio que aquecia a tarde fria com uma melodia triste mas bem trinada. De repente sentiu o vibrar do velho telemóvel. Era uma mensagem da Rita, talvez ele tivesse ido embora cedo demais, talvez ela tivesse tido um contratempo e o encontro aconteceria no dia seguinte. Carregou na tecla gasta das mensagens começavam sempre com um “olá amigo” depois um “olha” e depois o assunto continuava. Desta vez estava a lanchar com o Daniel um amigo da faculdade que há muito que não via e que estava na cidade em trabalho. “Olha, lembrei-me de ti, o Daniel precisa de uns contatos e tu és a pessoa indicada para lhe dares uma ajuda”. David Salgado não leu o resto da mensagem, continuou a andar agora mais depressa, encolheu os ombros para apanhar um pouco de calor vindo de dentro do casaco, uma nova vibração veio de dentro do bolso uma nova mensagem fê-lo sorrir, era a Rita Carregou na tecla já gasta, “Olá amigo, olha….Um dia destes temos de marcar um encontro para falarmos” sentiu uma estranha alegria, afinal sempre tinha sido ele que percebera mal, enganou-se, afinal não era hoje o dia do encontro com a Rita

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