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Cartas de amor


Que c'est triste Venise

Au temps des amours mortes


Charles Aznavour

O olhar dançava com o pensamento um amor morto e enterrado no longínquo deserto onde a imensidão de horizonte guarda tudo para toda a eternidade.

Enquanto a cantora se esforçava por transmitir aos três pares de dançarinos as emoções que um dia ousara sonhar, os olhos longínquos e triste da Rita esboçavam um sorriso alegre só perceptível ao imperturbável David que recostado num sofá a cheirar a uma mistura de mofo e algas marinhas saídas de um spray barato, atirava para o ar pensamentos que esbarravam com os que do olhar triste saiam do outro lado da sala.

Quase sem querer ou talvez porque ambos queriam sem saber, os dois olhares por aquele acaso que o acaso sempre proporciona encontraram-se, repararam um no outro fundiram-se numa mistura de curiosidade e de raiva por se sentirem apanhados o que os fez desviar o olhar, para se voltarem a encontrar na volta que a dança provoca.

Nessa altura não esconderam nem o olhar nem a curiosidade de penetrarem no interior do mistério que era aquele encontro ocasional.

A Rita, mais pragmática, levantou ligeiramente a mão das costas do parceiro de dança e num aceno provocador, levou a o David a pensar a razão da dança, a razão dele próprio estar ali especado a olhar e a sentir um estranho ciúme do desajeitado bailarino que num esforço colossal colava o seu rosto no rosto da Rita.

Quando o musico colocou o dedo indicador pela última vez no teclado do órgão de última geração que fazia quase tudo, até dele um musico de eleição, a Rita despediu-se do seu parceiro com um leve toque nas costas pronuncio que ele tinha autorização de na próxima musica se poder dirigir até ela e dançarem mais uma vez. Ela deixando voar os pensamentos até ao amor morto, ele ficava no sonho de ser o rei do baile, esquecendo momentaneamente a vida triste que levava e a tristeza que provocava a quem em casa o esperava para o jantar solitário de uma noite de domingo.

No intervalo entre músicas, cruzaram-se no meio do salão, o David em fuga para a escuridão da noite, a Rita em busca da razão de estar ali. Os ombros quase se tocaram, olharam-se e sorriram. Assim começou a história do David e da Rita.

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